— Tolisses

Coisas do Ulisses Mattos

Para nunca morrer de rir

Sabemos que é inevitável. Vamos ver todos os ícones do humor morrerem um dia. Isso se dermos sorte, pois corremos o risco de empacotarmos antes deles. Mas se a morte dos comediantes é mesmo um fato a ser aceito, impossível de contestar, podiam pelo menos dar um jeito de mudar os procedimentos normais nesses casos. Temos que bolar um jeito diferente de lidar com o falecimento deles. Há comediantes com uma história tão repleta de momentos cômicos que podem causar momentos embaraçosos. Imagina chegar perto do caixão para dar aquela famosa última despedida, olhar para a cara do finado e começar a rir. Vexame.

Por isso é que deveria ser elaborado um esquema extraordinário para tratar da morte dos comediantes e humoristas. Assim que um deles morresse, um departamento especial (a ser criado pelo Ministério da Cultura) seria acionado. Esses agentes comunicariam a Imprensa, que agiria como combinado previamente. Sairia uma grande reportagem nos jornais sobre a vida do falecido, mas sem nenhuma alusão à morte do sujeito. As TVs mostrariam uma coletânea de cenas engraçadas do artista, também sem dizer que ele morreu. Seria a senha para o público entender o que acabara de se passar. Para reforçar a mensagem, talvez alguns outdoors da sempre divertida empresa de seguro funerário Sinaf, com o rosto do comediante estampado nas ruas, mas sem dizer que ele bateu as botas.

O tal departamento do MinC se encarregaria de dar sumiço no cadáver e conversar com a família, explicando a situação aos parentes, que não teriam a oportunidade de velar o querido. “Desculpe-nos, mas é a lei. Se ele estivesse aqui aprovaria o que estamos fazendo. Var ser melhor para todos”, diriam os agentes nas primeiras ocorrências. Assim se evitaria cenas de tristeza, que nada têm a ver com a carreira dos profissionais do riso. Em vez do velório, os parentes e amigos mais próximos seriam levados para um auditório, onde seriam exibidos ou narrados os melhores momentos da vida do falecido. Sem choro nem vela.

 

A medida é radical, admito. Nunca vai passar pelo plenário se proposta como lei (a não ser que rolassem uns agrados aos deputados e senadores, mas não seria engraçado ver mais um escândalo acontecer). É, não ia rolar. Como alternativa, devemos incentivar o contraditório hábito de se contar piadas em velórios, ampliando a prática no caso de morte de comediantes. Em vez de um grupinho no canto da capela abafando os risinhos culpados, montar-se-ia logo um palco para cada um subir e contar uma piada, com direito a prêmio com nome do falecido para quem tivesse a melhor performance. Mas com a polícia ao lado do palco, claro, para levar embora quem soltar algo muito politicamente incorreto. Rolando uma prisão, seria um prato ainda mais cheio para a mídia. Risos.

 

Por Ulisses Mattos

 

Texto original publicado em outubro de 2005, na coluna 1001 Polegadas, no Jornal do Brasil.

1 comment
  1. Gilliard Barbosa says: 23 de março de 201217:19

    Sou teu fã, ainda mais.
    Sem mais…

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