— Tolisses

Coisas do Ulisses Mattos

Estátuas humanas

Especialistas em RH afirmam que é esperada para o Brasil a importação de mão-de-obra qualificada para vários setores. Eu acho que devemos importar também estátuas-humanas, pois aqui o serviço não é feito tão bem como lá fora, onde esses profissionais chegam a assustar os mais distraídos, de tão bem caracterizados que ficam. O que se vê atualmente por aqui, pelo menos no Rio, são umas estátuas meio vagabundas, mal vestidas, mal pintadas e, principalmente, mal paradas.

As estátuas humanas brasileiras não gostam muito de ficar estáticas. Se mexem tanto que seria mais fácil se fantasiarem de robôs, até porque os movimentos que fazem a toda hora imitam o deslocamento das máquinas em forma de homem, não estátuas (até porque, ora bolas, estátuas não se mexem). E algumas dessas estátuas ainda fazem uns sinais a todo momento, indicando o potinho onde os admiradores que param para observar a tentativa de imobilização devem deixar uma gratificação.

Vejo que esses profissionais já estão desenvolvendo algumas malandragens nesse setor. Uma delas é o uso de máscaras, que ajuda bastante o candidato a estátua, que não precisa ficar com o rosto pétreo, prendendo o riso diante de alguma gracinha ou reprimindo a cara feia por ninguém estar deixando um trocado. Pensando bem, o artifício da máscara abre alas para uma boa experiência, que um dia ainda hei de testar. Minha ideia é pegar um manequim de plástico, fantasiá-lo com roupas que cubram todo o corpo, vestir-lhe uma máscara e deixá-lo em uma calçada, com um potinho para depósito de dinheiro. Para estimular o pessoal a pingar um trocado, eu passaria por perto e deixaria uma grana no potinho uma vez ou outra. Se der certo, terei inventado uma nova profissão: o empresário de falsa estátua humana.

Se pensarmos bem, o povo tem vocação para estátua. É comum ficarmos parados, imobilizados diante de tanta coisa esdrúxula acontecendo na política. Em 1992, houve uma variação: a molecada pintou a cara para pedir mudanças, não pra ficar parada. Mas aí havia o estímulo da minissérie “Anos Rebeldes”, que mostrava os movimentos estudantis contra a ditadura. Recentemente, lá fora, foi o cinema que deu uma mão aos protestos, com jovens usando a máscara de “V de Vingança”. Aqui, as revoltas só andam mesmo se a TV ajudar. Só espero que não seja com a volta do Bozo. Nunca levo fé em protestos com gente usando nariz de palhaço. É tão circense quanto batalhar com hashtags e tentativa de emplacar trending-topics. Coisa para quem tem vocação para ser estátua.

 

Texto original publicado em agosto de 2005, no Jornal do Brasil. 

0 comments
Enviar comentário