— Tolisses

Coisas do Ulisses Mattos

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Tag "fezes"

Todo dia topamos com dejetos fecais pelas calçadas. Geralmente são presentinhos do melhor amigo do homem. Mas uma vez encontrei no chão o mesmo material no curioso formato de retângulo. Um retângulo perfeito, todo aparadinho. Tive certeza de que naquele caso, o autor foi o melhor amigo do cão. Sim, foi gente que deixou aquilo lá. Talvez um mendigo ou um bêbado que não se aguentou na madrugada. O que importa é que ali estava o flagrante de uma característica inerente da humanidade. Não a necessidade de defecar, mas sim a vocação artística do ser humano. Diante daquele tijolinho de merda, parei para pensar em como um sujeito, em uma situação das mais adversas, se deu o trabalho de modelar aquela massa. Não tive dúvidas: era um artista. Piero Manzoni que o diga. Quem?

 

Piero Manzoni foi um italiano que em 1961 apresentou a obra Merda de artista, nada menos que uma série de 90 latinhas seladas cujo conteúdo eram suas próprias fezes. Uns30 gramas em cada. Manzoni deu uma cagada enorme com essa ideia. O troço foi um sucesso e apreciadores de arte trataram de adquirir o trabalho pelo preço sugerido: seu peso em ouro. Atualmente, uma dessas latinhas sai por cerca de US$ 30 mil. Não é pouca merda. O curioso é que algumas das latas explodiram com o tempo, por causa da pressão interna causada pelos gases emanados da matéria prima. Outras estão sendo corroídas pela acidez do material (sabe-se lá o que Manzoni comeu). Nesse caso, me pergunto se os restauradores de arte vão repor o conteúdo com seu próprio trabalho intestinal.

Mais trabalhoso será uma restauração de Holy Virgin Mary, do inglês Chris Ofili. O sujeito pegou mais pesado. Não só por ter usado fezes de elefante na obra, mas também por usar esse material para retratar a Virgem Maria. É claro que deu a maior merda, com o prefeito de Nova York querendo proibir a exposição da obra por lá, em 1999.

Em Uberaba, Mizac Limírio expôs em 2002 a mostra Dejeções anônimas. Seguindo o conceito da Evacuarte, catou estrume de boi e o levou para seus quadros. Em 2006, o americano , o americano Daniel Edwards apresentou um cocô esculpido em bronze, homenageando a primeira excreção da filha de Tom Cruise e Katie Holmes.

 

Definitivamente, a merda faz parte de nossa cultura. Se no desenho South Park há o simpático e sábio cocô Mr Hanky, no infantil brasileiro Cocoricó já apareceu uma bosta para reclamar do preconceito que sofria. Curioso é que a merda era rapper.

Ainda por estas terras adubadas onde em se plantando tudo dá, o site Cocadaboa.com foi notícia com um serviço no qual o leitor podia mandar emails com fotos de fezes ou encomendar um pacote de excremento humano para ser entregue na casa de um desafeto. Nos EUA, um movimento divulgado no site madeyouthink.org fez uma campnha para que pessoas colocassem bandeirinhas com a foto do então presidente George W. Bush em montinhos de cocô de cachorro.

E quando você dá de cara com uma grande e encorpada bosta no vaso de um banheiro público, pensa que alguém simplesmente esqueceu de dar a descarga? Claro que  não! O cara deixou aquela coisa comprida ali certo de que tinha feito algo digno de apreciação e ficou com pena de mandar embora antes que alguém mais visse. Ele quis compartilha seu trabalho. E sabe o que mais? Você nunca dá a descarga quando se depara com um tolete desses. Prefere passar a outra cabine do banheiro. É o respeito inconsciente. No fundo, você sabe que a arte não afunda.

 

Por Ulisses Mattos

 

Texto original publicado em setembro de 2006, na primeira edição da revista M…, com o pseudônimo Odisseu Kapyn.