— Tolisses

Coisas do Ulisses Mattos

Archive
Textos

1deabrilApenas por acaso estou escrevendo sobre a mentira às vésperas do dia 1º de abril. Não acredita que seja coincidência? Faz bem. Não acredite mesmo. Eu juro que é verdade, juro que pensei em escrever sobre ser enganado há duas semanas, quando estava na cama, antes de dormir, lembrando de quantas vezes já me fizeram de otário. Juro mesmo. Mas o melhor que você faz é não acreditar mesmo. Se você pensar bem, o tempo todo alguém está tentando enganá-lo. Alguém sempre está mentindo pra você.

Não vou levar essa ideia a níveis paranoicos, no estilo do saudoso “Arquivo X”. Um dos dois famosos slogans da série era “trust no o­ne”. Não acho que você tenha que se preocupar com a possibilidade de o governo americano estar escondendo uma conspiração que envolva a presença alienígenas na Terra. Tem gente que leva essa teoria muito a sério. Sempre pensei que o slogan do seriado deveria ser “Não confie em ninguém, nem nas teorias mostradas nesta série”. Quando falo “trust no o­ne, mané”, me refiro às mentiras contadas por seus pais, seus professores, seus amigos, suas namoradas e todos com quem você convive.

Veja bem. Começam a mentir para você desde cedo, com aquele papo de Papai Noel. Aproveitam que você ainda não tem noções de física, biologia e até economia para te enfiar goela abaixo uma história louca sobre um velhinho que vive há centenas de anos viajando num trenó puxado por renas voadoras distribuindo presentes de graça para todas as crianças do mundo. Depois te contam que o Papai Noel não existe. Era brincadeirinha. Aí vem a história da cegonha trazendo bebês para sua mãe barriguda. A coisa piora quando alguns pais descuidados falam que “cegonha não existe”. Aí  a criança vai ao jardim zoológico e dá de cara com uma cegonha. É quando ela vê que não pode mesmo acreditar em tudo que seus pais lhe falam. Nem nos desmentidos.

Na escola, a professora diz que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil por acaso. Você tem que acreditar que apesar de um tal Tratado de Tordesilhas, uma frota inteira de exímios navegadores portugueses se perdeu e foi parar milhas e milhas longe de seu destino inicial. Só levantam dúvidas sobre essa história para os alunos anos mais tarde, na mesma época em que você descobre que aquela baboseira de o verde representar nossas matas; o amarelo, nosso ouro; e o azul, nosso céu era mentirinha também. Então seu cérebro entende que não se deve confiar nos pais, nem nas professoras.

De agora em diante, você só vai acreditar na mídia. O que aparece para você na tela da TV ou nas fotos deve ser verdade. Mas você é uma criança em pleno anos 80 e vê um grupo musical formado por homens dançando e cantando. Todos são fortes e a maioria usa bigode. Eles representam diversos ícones de masculinidade. Tem um índio, um eletricista, um policial… Todos homens pra cacete e cantavam que eram “macho men”. É ridículo, mas eu, quando criança, fui enganado pelo Village People, que hoje tem suas músicas tocadas em festas apenas para todo mundo brincar fazendo passos gays, seja você hetero ou homossexual.  Só me consola o fato de, anos depois, eu não ter caído na farsa do George Michael. Curti as músicas e decorei várias letras, mas sem acreditar na sua imagem de machão pegador, diferentemente das fãs tolinhas da época que sonhavam “namorar” com o cara.

Você vai envelhecendo e achando que não vai mais ser enganado pela mídia, pois está mais experiente. Que nada. A mídia adora te enganar. Os filmes de maior sucesso são aqueles que te enganam o tempo todo e só revelam que estavam te sacaneando no fim, como “O Sexto Sentido”, “Os Outros”, “Clube da Luta”, “Psicose” e outras dezenas de produções de roteiros espertos. E isso não é nada comparado ao Milli Vanilli (lembram disso?) ou à “Playboy” da Hortência. Ou a Fernando Collor de Mello. Aos 16 anos, tirei o título de eleitor para votar no “caçador de marajás”.  Dias antes da eleição de 1989 tomei conhecimento de umas informações dúbias sobre o sujeito e tive que escolher outro candidato.

Não precisa dizer que o mundo político, melhor dizendo, o mercado político já me desiludiu a ponto de hoje eu votar com um pé atrás até nas mais imaculadas carreiras e nobres propostas. Pelo menos consegui passar a vida sem acreditar nas explicações sobre a origem da nossa população, seja na história de Adão e Eva ou nos sobreviventes da arca com um casal de todos os animais do planeta. Nunca levei ao pé da letra contos que outros consideram verdade absoluta só porque estão em livro que as pessoas julgam sagrado.

Mas nem por isso, na adolescência, deixei de ser enganado por meninas, algumas de 15 anos de idade até. Tive que tirar o chapéu para a esperteza de algumas delas. Até porque se não tirasse, furaria esse chapéu com meus chifres. E nesse terreno, poderia ter sido enganado por meninos, se na época em que eu estava com uns 10 anos de idade tivesse acreditado em uns coleguinhas mais velhos na aula de judô, que vieram com um papo estranho de que para virar homem eu tinha que dar para eles três vezes. Tem gente que só descobre que é mentira na segunda vez que deu. Não precisei nem da primeira vez para achar que essa lei não era nada plausível e dedurei os sacanas para meus pais e o sensei.

Mas a vida continuou e fui sendo passado pra trás por alguns amigos, sendo que alguns ainda carregavam o irônico requinte de ter o sobrenome Leal. Amiguinhos me enganaram pegando minhas namoradas, me roubando em jogos, mentindo sobre outros colegas etc etc etc. Cresci e continuei caindo nas pequenas mentiras de amigos na faculdade, no estágio e no trabalho. E vão continuar tentando me enganar na pracinha dos aposentados, no asilo e na ala dos doentes terminais do hospital. É por isso que não acredito em mais nada com todo meu coração ou cérebro.

Taí a explicação para os que me perguntam por que minha primeira reação às situações que me apresentam é ser irônico, fazer piadas de tudo, encarar as coisas com um olhar jocoso e tripudiar de gente que fatura em cima da ignorância geral. Caramba! Se seus pais, seus professores, suas namoradas e seus amigos já te enganaram, como confiar na eficiência do produto mostrado no comercial, na santidade do padre ou do pastor,  na voz da apresentadora que vira cantora, no talento do teatrólogo inovador ou do provocante artista plástico,  na honestidade do político, na boa intenção do empresário milionário que só quer o bem da cidade, na transparência das empresas que estão nas redes sociais e na imparcialidade da Imprensa? Os próprios jornalistas brincam entre si dizendo que o jornal é como uma fábrica de salsicha: se o público souber como é feito, ninguém compra.

Não é para você acreditar que o insuportável 1º de abril não tem nada a ver com meu desabafo, mas é verdade. Pensei em tudo isso há duas semanas, deitado na cama. Achei que depois de mais um dia exposto a tantas mentiras, agora teria umas horinhas longe delas, dormindo. Foi aí que pintou a insônia. Assim que eu adormecesse iria entrar em mais um mundo de mentiras, o­nde meu subconsciente me engana dizendo que eu voo que nem o Super-Herói Americano (cante comigo: “Believe it or not, oh, walking o­n air…”), que os mortos estão vivos ou que recebo uma oferta de emprego no qual minha função é controlar uma fila de crianças que vão mergulhar numa piscina. Não há como fugir. Até dormindo você está sendo enganado. Confie em mim. É verdade.

Ulisses Mattos

Texto original publicado em abril de 2002, no site Cocadaboa.com, com o pseudônimo Odisseu Kapyn.

If I were a boy…

Toda hora vemos lindas artistas estrangeiras aparecendo no Brasil, a trabalho ou lazer. Há alguns anos, foi a vez da cantora Beyoncé. Não veio apenas cantar, dançar, pular, rebolar. Ela veio mostrar que é mulher de verdade. Sim, sim. Até então, Beyoncé não era verdadeiramente uma fêmea aos olhos da mídia. Tinha virado outra coisa, que geralmente ganha o nome de “diva”. Exato. O título que aqueles que não sentem atração sexual por mulheres criaram para se permitir amar determinadas figuras.

Tem gente que não fica embasbacado por mulheres. Esses se apaixonam por divas. Nada contra a tática. Tem muito machão que faz algo semelhante quando fica “de quatro” por celebridades nada másculas e os chamam apenas de artistas. Eu curto muito David Bowie e Fred Mercury, posso ficar minutos admirando os caras, não só ouvindo suas vozes mas vendo os clipes com suas performances. Grandes artistas. Tô nem aí para o que eles fazem ou faziam de sua vida sexual (a rigor, eu também não quero detalhes sobre o que meus amigos gays fazem; são amigos e pronto). Da mesma forma, gays não tão nem aí pro fato de a Beyoncé ser um interessante exemplar do gênero feminino. Ela é diva e pronto.

Mas as fanzocas acabaram tendo que ver Beyoncé na varanda de um hotel, de pijamas, com a cabeleira aplaudindo de pé a paisagem carioca. Uso aqui “fanzocas” não só para os caras que vestem maiô e dançam All the Single Ladies, imitando sua coreografia (escondidos no banheiro ou diante da webcam), mas também para as meninas que acham que uma mulher admirável tem que vir embrulhada em maquiagem, cabelo domado, roupas brilhantes etc. A verdade é que Beyoncé é mulher. Esqueça a diva. Simples assim.

Por que não podemos ter na mídia uma mulher talentosa (mesmo eu não sendo muito fã de suas músicas, sei que a moça não é uma dependente de playback, como as Britney Spears da vida) que não seja sempre uma pintura irretocável? Ou ainda, por que não podemos ter mulheres interessantes artisticamente que não precisem passar pelo processo de cachorrização? Sim, porque hoje a mocinha tem que ser diva ou cachorra, se jogando no chão e se contorcendo em poses sensuais. Lembro do tempo em que a Shakira não ficava se esfregando languidamente com o ar (como hoje faz nos clipes), e da época em que eu até achava a competente Alicia Keys meio descuidada e por demais recatada (agora estão transformando a artista em “sexy”).

Ao não passar pela penteadeira, a cantora saiu do armário. Deixou de lado a imagem de diva e se confessou mulher. Beyoncé com o cabelo todo zoado é como as fêmeas são de verdade. Quando você vai para a cama com uma bela mocinha toda arrumadinha e maquiada, no dia seguinte é algo como essa Beyoncé que você encontra ao seu lado, se tiver feito o serviço corretamente. Mulheres são assim, inclusive as gostosas. Elas têm cabelos que se despenteiam, marcas na pele, celulite e estrias (e eu nem sei qual a diferença entre celulite e estria, na prática). Por isso, quem ficou tristinha ou chocada em ver Beyoncé “desse jeito”, sugiro que esqueça a diva e procure um divã. Estão precisando de uma análise.

 

Publicado em fevereiro de 2010, com pseudônimo Odisseu Kapyn, no blog machista Papo Reto, da rede Interbarney

Alguns dias depois do fim dos Jogos Olímpicos, que reúnem os mais qualificados atletas de todo o planeta, começam os Paralímpicos, que não são tão badalados pela mídia. Eu mesmo nem acompanho de perto, porque às vezes é desconfortável ver deficientes físicos nadando ou correndo mais que eu. Meio humilhante, devo admitir. Mas o mais importante nos Jogos Paralímpicos é a segregação, que pode dar em algo muito mais interessante se tivermos a coragem de ir em frente e criar um evento com mais potencial de sucesso do que as próprias Olimpíadas tradicionais.

Calma aí! Não estou dizendo que sou a favor da segregação ou que as Paralimpíadas são uma iniciativa segregacionista. Pelo menos não no sentido negativo da palavra. Só quero chamar a atenção para o fato de os Jogos Paralímpicos separarem atletas perfeitos fisicamente daqueles que vivem com deficiências. Esse é o ponto de partida para minha visionária proposta. Já que temos o precedente da diferenciação no mundo esportivo, por que não criarmos os Jogos Olímpicos do Doping? O evento reuniria atletas que não precisariam esconder que sua forma física é resultado de esteroides anabólicos e hormônios peptídicos. Por respeito, seus recordes não seriam comparados com os atletas das Olimpíadas “normais”, da mesma forma que os das paralimpíadas também não são postos ao lado dos números dos atletas fisicamente perfeitos. Seriam tabelas à parte, tudo muito ético.

Como sou amigo do fantoche Marcelinho, o pessoal do Sessão Boteco (com quem já havia gravado dois podcasts) me procurou perguntando se o garoto toparia participar de um papo sobre cinema. Achei que a melhor filme para isso seria a comédia “Ted”, pois fala da relação entre um boneco e seu dono. O pessoal do podcast curtiu a sugestão e Marcelinho também. Só faltava falar com Erik Gustavo, que acabou topando, mesmo sabendo que poderia se emocionar demasiadamente em alguns momentos da produção dirigida por Seth MacFarlane.

O resultado você confere aqui no site do Sessão Boteco. A conversa sobre esse divertidíssima comédia começa aos 30:53, como você pode ver na imagem acima. Antes, falamos de outros filmes ou séries a que assistimos na semana. Eu falei de “Poder Paranormal”, que considero uma bela porcaria.

Se não curte ficar ouvindo no computador, tem como baixar no iTunes e ouvir no mp3 player, clicando aqui.

Vejo um gato se lambendo e o considero um animal idiota pelo fato de ele achar que está se limpando. Sinto pena por a natureza ter lhe dado um instinto que o instrui a ficar limpo por fora através do ato de jogar a sujeira para dentro do corpo. Ou será que o tal instinto diz que seu pelo vai ficar limpo se for molhado com uma substância que sai de dentro de seu organismo? Não importa. Nenhuma das duas lógicas felinas faz o menor sentido para nós humanos, que tomamos mil cuidados com nossa higiene ou com nossa saúde. Mas se pensarmos bem, podemos parecer tão ridículos quanto os gatos.

Preste atenção a seus hábitos no banheiro. Você entra no WC, senta no vaso, espera os músculos do sistema digestivo colocarem o lixo para fora e até faz uma horinha lendo uma revista ou brincando no seu smartphone. Terminado o serviço ou findo o interesse na leitura, você apanha um pedaço de papel higiênico  e tasca lá na região que foi vandalizada pelos excrementos. Diz o bom senso que você agora deve lavar as mãos, que estão sujas. Você abre a torneira e deixa a água e o sabonete purificarem as palmas e os dedos. Fecha a torneira e está pronto para até pegar alimentos com as mãos e levar diretamente à boca.

Graças ao “fenômeno” Gina Indelicada, o assunto do momento é apropriação de piadas na internet. Quando vi a página no Facebook, logo vi que as piadas não eram de uma só pessoa. Cada post tinha um estilo diferente e algumas eram anedotas velhas. Apostei que ali havia também frases novas feitas por autores identificáveis, mas fiquei na minha. Hoje em dia, até quando vejo meus tweets sendo copiados na rede, fico quieto. Entendo que é a cabeça do povo. Mas a coisa ficou um pouco mais séria quando a tal página passou a ser capaz de lucrar com o trabalho dos outros. E mais séria ainda quando voltei a ver gente dizendo que “piada não tem dono”. Bom, se a piada é o trabalho de alguém que vive ou pretende viver disso, tem dono. E a lei está aí pra comprovar. Eu mesmo já entrei com um processo contra um portal que me plagiou e fui indenizado. Eis uns links que comprovam:

Portal condenado a pagar R$ 20 mil por plágio

Portal condenado por plagiar colaborador do Cocadaboa

Site de informação é condenado por danos morais 

Sim, meu nome completo é escroto. Não, não posso emprestar dinheiro porque já gastei esses 20 mil. Mas vamos ao que importa. A “piada sem dono” em questão eram três textos que fiz para o lendário Cocadaboa.com. Hoje eles estão no meu blog-portfólio, e podem ser lidos através deste link aqui.

Para vocês terem uma ideia de como existe trabalho autoral de verdade, eu registrei esses textos na Biblioteca Nacional. Foi ótimo ter esses documentos em mãos para levar à audiência diante da juíza e do réu. Aliás, fico imaginando a juíza lendo nos autos documentos que traziam frases como “Qual o aumentativo de ‘dacueba?”.

Participei de mais uma edição do podcast Cinema de Boteco. Desta vez o tema foi a nova versão de “O Vingador do Futuro” (“Total Recall”). No papo, falamos também do primeiro filme, com Arnold Schwarzenegger, e do conto no qual as duas produções foram inspiradas.

Para ouvir ou baixar, clique neste link.

Aliás, esse conto é de de Philip K. Dick , um cara que é desconhecido do grande público, mas é um dos autores de ficção científica que mais foram adaptados por Hollywood. Li a história na versão em português, do livro “Realidades Adaptadas”, que a editora Aleph está lançando, com todas as ideias de K. Dick que viraram filmes. Entre os longas, estão nada menos que “Blade Runner” e “Minority Report”.

Ainda sobre o podcast, pra quem é chegado a humor, vale conferir a parte em que falamos sobre como o nome do filme no Brasil é absurdo e como ele deveria ser rebatizado para seguir a lógica inicial (aos 42:30). O papo foi bom para repensar a nota que eu deveria dar ao remake, que acabou sendo menor do que eu planejava.

Na parte do programa em que falamos de obras que conferimos recentemente, também falei de “O Poderoso Chefão”. Reparem com chamo Coppola de Scorsese mais de uma vez. Isso que dá falar de cinema bebendo álcool.

Clóvis Bornay foi um dos nomes mais famosos do carnaval. Museólogo e carnavalesco, Clóvis era considerado um verdadeiro gênio na arte de criar fantasias, a ponto de ser declarado hors-concours nos desfiles de que participava, já que quase sempre vencia o concurso quando subia na passarela com seus trajes exuberantes. Ele morreu em 2005, aos 89 anos, e causou comoção. Seu rosto e sua voz eram conhecidos por milhares de pessoas, mas poucos o conheceram melhor que Ed, em quem Clóvis nunca pôs os olhos. Foi apenas por telefone que os dois conversaram durante 16 anos. Os bate-papos, que rolavam a qualquer hora do dia, mesmo de madrugada, começavam com Clóvis sempre sendo amável, mas terminavam aos palavrões, com Ed sendo xingado. Por quê? Ah, sim. Faltou dizer que essas ligações eram trotes. Sim, Ed passou 16 anos mandando trotes para Clóvis Bornay.