— Tolisses

Coisas do Ulisses Mattos

Os Jogos Superolímpicos

Alguns dias depois do fim dos Jogos Olímpicos, que reúnem os mais qualificados atletas de todo o planeta, começam os Paralímpicos, que não são tão badalados pela mídia. Eu mesmo nem acompanho de perto, porque às vezes é desconfortável ver deficientes físicos nadando ou correndo mais que eu. Meio humilhante, devo admitir. Mas o mais importante nos Jogos Paralímpicos é a segregação, que pode dar em algo muito mais interessante se tivermos a coragem de ir em frente e criar um evento com mais potencial de sucesso do que as próprias Olimpíadas tradicionais.

Calma aí! Não estou dizendo que sou a favor da segregação ou que as Paralimpíadas são uma iniciativa segregacionista. Pelo menos não no sentido negativo da palavra. Só quero chamar a atenção para o fato de os Jogos Paralímpicos separarem atletas perfeitos fisicamente daqueles que vivem com deficiências. Esse é o ponto de partida para minha visionária proposta. Já que temos o precedente da diferenciação no mundo esportivo, por que não criarmos os Jogos Olímpicos do Doping? O evento reuniria atletas que não precisariam esconder que sua forma física é resultado de esteroides anabólicos e hormônios peptídicos. Por respeito, seus recordes não seriam comparados com os atletas das Olimpíadas “normais”, da mesma forma que os das paralimpíadas também não são postos ao lado dos números dos atletas fisicamente perfeitos. Seriam tabelas à parte, tudo muito ético.

Os Jogos Olímpicos do Doping reuniriam a nata dos dopados, sendo também um lugar para abrigar os que foram flagrados no evento principal. A princípio, as competições iriam causar estranheza, pois estamos há décadas dizendo o quão feio é se dopar para quebrar recordes. Mas é para isso que existe a mídia. Algumas reportagens mostrando como esses atletas sofrem para se dopar, como resistem aos efeitos colaterais das substâncias injetadas em seus corpos, como lavam suas dores com muitas lágrimas e suor logo fariam com que o público fosse vendo nobreza em sua opção. Quando todos vislumbrassem as massas de músculos desfilando em frente à TV, seria o golpe final contra qualquer resquício de resistência dos fãs do esporte. Nossa sociedade já está ficando adepta das monstruosidades, como podemos ver nas mulheres que carregam litros de silicone em seus seios. O que anos atrás seria digno de um circo dos horrores (os famosos freak shows) hoje é até sexy. Por que seria diferente no esporte?

Com a popularização e o aumento da audiência, logo os grandes atletas seriam atraídos para as novas competições, que lhes traria recordes mais impressionantes, números mais altos e velozes, marcas com que eles sempre sonharam e que iam até o limite da legalidade para atingir, mesmo que seu desempenho não fosse mais dependente única e exclusivamente de seus esforços. É, porque hoje os competidores usam alguns artifícios para deixar para trás quem antes ocupavam o topo das listas de grandes nomes do esporte. Mas ninguém quer salientar que recordes foram quebrados por causa de roupas de natação especiais, piscinas com condições mais favoráveis, varas de salto com mais tecnologia, raquetes de tênis com material mais leve e elástico, bicicletas mais inteligentes ou calçados desenhados para alta performance. É, doping patrocinado pode. E até mesmo algumas outras formas de alteração física são permitidas, como as câmeras hiperbáricas, que simulam atmosferas de ar mais rarefeito e estimulam a produção de glóbulos vermelhos.

Então, com uma mãozinha de novos patrocinadores oficiais, como as poderosas indústrias farmacêuticas, os Jogos Olímpicos do Doping em breve suplantariam o evento que temos hoje e acabariam sendo rebatizados, com um nome, digamos, mais atraente: Jogos Superolímpicos. A atual competição seria mantida enquanto houvesse interesse, mas chamados por todos como Jogos Tradicionais, sendo talvez realizados ao mesmo tempo que os Jogos Paraolímpicos, para economizar dinheiro e manter um mínimo de público.

Quando os Jogos Superolímpicos forem uma realidade, será com muita humildade que aceitarei ser apontado como o novo Barão de Coubertin. Em entrevistas, lembrarei que sempre achei a ideia muito lógica, já que no automobilismo os carros são envenenados e, principalmente, nos concursos de miss são aceitas candidatas modeladas em cirurgias plásticas. Mas, sabiamente, sempre citarei meu colega, o velho Barão, atualizando seu lema: “Não importa o método que os atletas utilizaram para ultrapassar limites. O importante é competir”.

 

Texto original publicado em setembro de 2008, no blog da revista M…, com o pseudônimo Odisseu Kapyn.

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