— Tolisses

Coisas do Ulisses Mattos

Caindo do cavalo

O hipismo é um esporte? Sim, claro. Para os cavalos. São esses nobres animais que fazem todo o esforço no hipismo. São eles que saltam, que correm, que trotam, que dão cambalhotas, que refugam. São os responsáveis por todo o espetáculo. No entanto, quem recebe os louros são os cavaleiros e amazonas. Aliás, os louros seriam muito mais úteis, gastronomicamente falando, aos nossos atletas de quatro pernas.

O papel de protagonista desses quadrúpedes só é confessado nos momentos inglórios. Quando, no último dia dos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, Rodrigo Pessoa “falhou” em dar ao Brasil sua única medalha de ouro, quem foi apontado como culpado? “Baloubet du Rouet refugou”, apontavam todos os dedos críticos. Então, a medalha não veio por causa do cavalo, não é mesmo? E se o ouro olímpico viesse nos resgatar das profundezas do quadro de medalhas? Quem seria o herói? Cavalo ou pessoa? Pessoa ou Baloubet? Pessoa, decerto. Sempre a pessoa.

Vejam bem, não estou dizendo que os cavalos fariam tudo sozinhos se fossem soltos na pista. Quer dizer, não sei o que aconteceria se acrescentassem folha de coca e de cannabis sativa às de alfafa. Talvez eles até saíssem desacompanhados saltando obstáculos, com direito a dançar um sambinha ao zerar o percurso, ou um fox-trote. Como há o doping para os cavalos (mais uma prova de que os bichos são importantes; o doping para quem os monta é mera formalidade), vamos ter que continuar deixando o bom senso nos dizer que os cavaleiros e amazonas têm sua função na competição.

Sem dúvida, os humanos têm lá sua cota de reconhecimento no hipismo. Eles são corajosos por montarem um animal tão perigoso, capaz de aleijar o Super-Homem em seu disfarce de Christopher Reeve (dizem que o nome do cavalo era Kriptonita, mas eu não acredito). Não escondo certa admiração por pessoas tão bravas. Só não me peçam para chamá-los de atletas. De jeito nenhum. Só se eles saltassem aqueles troncos e laguinhos sem suas montarias.

E como se não bastasse o hipismo “normal”, ou seja, a prova de saltos, existe uma aberração maior no universo equino desportivo. Pois é. Fico até constrangido por comentar as provas de adestramento, nas quais é preciso que os bichinhos façam uma espécie de coreografia. É nessa hora que o conceito de esporte leva o coice fatal. Aí a modalidade não é atlética nem para os animais que estão sendo avaliados.

Tenho certeza de que os próprios cavalos consideram aquilo algo como um desfile de moda. Sem ofensas às modelos, ok? Sabemos que elas são mais articuladas que os cavalos, pelo menos. Mas o fato é que no adestramento nem quem faz o esforço físico pode ser chamado de esportista. Os cavalos, esses belos e impetuosos espécimes da fauna internacional, são rebaixados ao nível dos poodles de competição. Só falta fazer trancinhas e rabos de cavalo.
E por falar em competições caninas, tão comuns na programação do canal Animal Planet, vamos ser justos. Se adestramento é modalidade olímpica, vamos agora mesmo providenciar as medalhas para os treinadores de Agility, que vêm sendo subestimados todo esse tempo ao lado de seus cães campeões em entrar e sair de túneis e ziguezaguear e pular obstáculos. É tão tocante admirar aqueles jovens cães dando orgulho a seus adestradores. Elevar o Agility a categoria olímpica seria também uma boa política com a terceira idade, tirando do tiro esportivo toda a responsabilidade de distribuir medalhas a velhinhos.

 

Texto original publicado em agosto de 2007, no blog Por Esporte, com o pseudônimo Odisseu Kapyn.

0 comments
Enviar comentário