— Tolisses

Coisas do Ulisses Mattos

A invasão do Brasil

A forma como o Brasil foi invadido entrou para a História como a tomada de território mais rápida de todos os tempos.  Como foi? Bom, vamos lá.

Há anos, muita gente falava sobre o interesse do mundo na Amazônia. Diziam que os Estados Unidos um dia invadiriam o Brasil com a desculpa de tomar conta da nossa floresta, com o pretexto de que a destruição da região amazônica estava colocando em risco o equilíbrio ecológico de todo o planeta. Viriam para cá dizendo “os Estados Unidos advertem: os brasileiros causam câncer no pulmão do mundo”. Os paranóicos estavam errados. Em parte. Quando os americanos finalmente invadiram o Brasil, com seus tanques, porta-aviões e caças, não falaram sobre a Amazônia.

Os motivos foram nossas intenções de fabricar armas de destruição em massa. Tudo porque tínhamos descoberto métodos revolucionários de enriquecer urânio e adquirimos todo o know-how para montar uma bomba atômica. É claro que os americanos não perderam tempo e logo se instalaram na Amazônia também, mas a razão oficial foi mesmo a tal bomba que já teríamos construído e escondido em algum lugar. Talvez até na Amazônia. Ou em qualquer outro ponto das grandes cidades que foram ocupadas rapidamente pelas tropas ianques.

E como foi a invasão? Ora, foi um golpe baixíssimo dos americanos: tomaram o país em pleno carnaval. Não houve tempo de reação e, cá entre nós, nem houve muita vontade. Os brasileiros acharam que poderiam resolver tudo quando acabasse a folia momesca. Não havia ninguém no Planalto para aparecer na TV e conclamar uma revolta. Na quarta-feira de Cinzas, era tarde demais. Já havia mais tropas americanas no país do que lojas do McDonald’s. Foi quando todos se perguntaram, ainda com a cabeça doendo da ressaca, o que aconteceu com as Forças Armadas. Haviam sido rendidas, sem disparar nenhum tiro. Alguns insinuaram que houve até uma cooperação dos militares brasileiros, insatisfeitos com o governo. Outros juram que viram soldados do Exército saindo às ruas para fazer aquilo para que foram treinados: com grandes pincéis, tentavam caiar os tanques americanos, sendo facilmente dominados.

Não tínhamos mais a quem recorrer. A ONU, que andava incomodada com a insistência do Brasil em fazer parte de seu Conselho de Segurança, lavou as mãos e não reclamou muito da quebra da nossa soberania. Os outros países, liderados pela Argentina, acabaram apoiando a invasão. Todos achavam o Brasil muito simpático, bonitinho e tal, mas não estavam gostando de nos ver vencendo disputas comerciais, batendo recordes agrícolas, extraindo petróleo aos baldes, espalhando MPB misturada com música eletrônica por todos os cantos, fazendo todo o planeta usar sandálias Havaianas e vencendo Copas do Mundo. Cuba até protestou no início, mas os EUA acenaram com o fim do embargo à ilha, e o centenário Fidel logo se calou. O Papa condenou a invasão e todos mais uma vez pensaram “e daí?”. Estávamos sozinhos, prontos para virar mais uma estrelinha na bandeira americana.

De início, alguns setores passaram a ver a situação de forma otimista. Economistas falaram em mais entrada de dólares no país. Algumas pessoas ligadas ao show biz já estavam até louvando o fato de artistas como Chico Buarque voltarem a compor de forma mais inspirada, reclamando da invasão nas entrelinhas de versos que escaparam da censura americana.

Mas o inesperado aconteceu. Alguns meses depois da invasão, um movimento de resistência nasceu entre os brasileiros. Os Estados Unidos cometeram erros inadmissíveis de administração. Um erro tático, para falar a verdade. Para evitar revoltas entre a população, as manifestações e hábitos dos brasileiros foram mantidos e até estimulados pelos gringos. Muito futebol, cerveja, cachaça, sacanagem, samba, axé, funk, praia, feijoada, feriados etc. Nada foi banido.

Mas a política de preservação da cultura brasileira tomou rumos radicais. O governo provisório americano no país decidiu banir palavras em inglês. Como não precisava mais “exportar” para o Brasil, ainda restringiu a venda de produtos estrangeiros no comércio e estabeleceu cotas mínimas para a veiculação de programas nacionais na TV, de filmes brasileiros nos cinemas e músicas em português nas rádios. Sem poder ver e ouvir sempre os astros americanos, sem poder comprar preciosos itens da indústria ianque, a classe média se sentiu oprimida, humilhada, subjugada. Revolta nas ruas.

A Barra da Tijuca, no Rio, foi palco de grandes demonstrações de ódio ao novo sistema. Era preciso agora criar a resistência armada. Com os armamentos das Forças Armadas brasileiras confiscadas e bem vigiadas pelos americanos, adivinhem onde fomos buscar metralhadoras, revólveres, pistolas e granadas. Sim, sim. Nas favelas de todo o país (as poucas UPPs já tinham sido abolidas).

Foi assim que algo lindo aconteceu, capaz de encher de lágrimas o mais durão dos sociólogos. Antigos inimigos se juntaram para combater um mal maior. Os chefões do tráfico em todo o Brasil, quase falidos pela eficiência americana em manter a lei, se uniram a comerciantes, funcionários públicos, advogados, bancários, enfim, todos os integrantes da classe média. Todos armados até os dentes – ou no caso de muitos, até as gengivas -, atuando lado a lado, utilizando técnicas de guerrilhas, ensinadas pelos traficantes.

Os noticiários americanos anunciavam a cada dia as centenas de baixas de soldados pelas ruas do Brasil. A situação dos invasores piorou quando as forças americanas tentaram tomar os morros cariocas e foram chacinados. Em represália, muitas cidades foram bombardeadas, mas em pouco mais de seis meses os Estados Unidos decidiram deixar o país, dizendo que o Brasil já não era mais uma ameaça nuclear. Anos depois, a derrota americana seria tema de inúmeros filmes de Hollywood.

Hoje vivemos em relativa paz e estamos reconstruindo um país. O Hino Nacional em ritmo de funk carioca ainda soa estranho, mas em breve todos se acostumarão. O novo padrão das moradias já está sendo assimilado e chega a ser irônico ver morros com barracos mais complexos que os do asfalto. O consumo de drogas foi legalizado pelo governo provisório composto por ex-traficantes, que vai se reestruturando com os impostos vindos da compra e venda dos entorpecentes. Ainda temos muita gente doente e pessoas passando fome, mas a ONU agora está dando o maior apoio para o Brasil. Os soldados da força de paz recrutados no Haiti são muito atenciosos.

 

Texto original publicado em novembro de 2004,  no site Cocadaboa.com, com o pseudônimo Odisseu Kapyn.

2 comments
  1. CQCM says: 15 de fevereiro de 201221:26

    É incrível como alguns textos, mesmo sendo escritos há tempos atrás, parecem que foram excritos recentemente. Quanto à união entre classe média e tráfico realmente não é algo tão dificil de se pensar. Os mesmos que gritam “Cadeia neles, morte à todos esses animais!” são aqueles que quando algum pedófilo ou estuprador vai preso diz “Quando cair na cadeia os presos vão acabar com ele! Nem eles admitem isso!” ou seja esperam que alguém que eles acham injusto façam justiça por eles. Na verdade eles nem justiça querem, só querem julgar mesmo.
    Não sei porque mas esse texto me lembrou aquele “protesto” chamado preço justo. Pode tirar o orgulho, as terras e a liberdade, mas não tire os brinquedos eletrônicos da classe média.

    • Ulisses Mattos says: 15 de fevereiro de 201221:38

      Aquele protestinho pra baixar preço das aparelhinhos realmente foi triste. Sobra a atualidade dos textos, vou fazendo uma ou outra adaptação. Inclui UPP qdo vim publicar aqui. Mas o bruto tá no original mesmo. Valeu aí por prestigiar!

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