— Tolisses

Coisas do Ulisses Mattos

Bichos de pelúcia

Nunca tive um bichinho de pelúcia. Nunca vi graça nenhuma neles. Também nunca entendi o fascínio que as mulheres têm por esse brinquedo. Mas minha rejeição a ele não me levou ao ponto de me recusar a compactuar com essa indústria. Se uma mulher me falasse que queria ganhar um CD de funk ou um livro de auto-ajuda, eu pensaria: “Opa, amigo pênis. Lamento, mas não vou comprar lixo só para você se dar bem”. Já se ela falasse que queria um cachorrinho de pelúcia, tudo bem. Vou comprar um negócio que não vai ter utilidade nenhuma, mas pode valer a pena.

Sim, porque tirando o fato que eles servem para ajudar a pegar mulher, os bichinhos de pelúcia são realmente inúteis para quem não é criança. Mas vai me dizer que uma mulher com mais de 18 anos na cara fica brincando com o bichinho de pelúcia? A única vez que vi uma mulher brincar com um deles foi num filme da veterana Cicciolina. Mas a coisa era bem diferente: o bichinho era aparelhado com um enorme vibrador entre as perninhas. Uma coisinha muito singela.

OK. Não vou pedir para ninguém parar de comprar de presente um negócio que fica depois jogado em cima da cama ou esquecido em um armário. Afinal o brinquedo pode levar nós, homens, a ganhar outro tipo de bichinho de pelúcia mais interessante e vivo, se é que vocês me entendem. Mas não tem mulher no mundo que me convença a comprar certo tipo de bichinho de pelúcia: reproduções de animais que não têm pelo na vida real. Isso eu não suporto, não compreendo e não vou tolerar mais.

Por que diabos alguém faz uma orca de pelúcia? Orcas não têm pelos! Tartaruga de pelúcia. Cacete, tartaruga não tem pelo! Eu acho que as mulheres veem um tigrinho de pelúcia e pensam: “tigres têm um pelo lindo, mas são animais ferozes e perigosos. Mas esse aí pode ser meu. Posso dominá-lo e alisar seu pelo na hora que eu quiser”. A teoria deve valer para ursos, leões e outros animais que não hesitam em nos destroçar se dermos mole. Com um cachorrinho de pelúcia, as mulheres devem pensar: “Ai que bonitinho, dá vontade de abraçar… Parece um cãozinho de verdade, com a vantagem que não vai me dar trabalho para cuidar. Sem xixi, sem fedor, sem cocô… Amor, compra pra mim aquele cachorrinho?”. A teoria vale para gatinhos, coelhinhos, cavalinhos, porquinhos, vaquinhas e todos os outros animais que se deixam usar pelo pessoal munido de polegar opositor.

Mas o que passa pela cabeça de alguém que quer uma tartaruga de pelúcia? Ela vai fazer carinho no brinquedo? Por quê? Ela gostaria de fazer carinho numa tartaruga de verdade? Que tipo de gente tem vontade de fazer carinho numa tartaruga, um bicho todo encouraçado que não entende o que você fala, não acompanha a gente pela casa e ainda por cima come cocô com o maior prazer. Uma vez vi num quintal um cágado comendo um cocô enorme enquanto um cachorro latia para ele num misto de terror e reprovação. Ficou claro para mim nesse dia que as tartarugas (ou cágados, jabutis…  é tudo a mesma laia) estão escadarias abaixo na escala evolutiva, pois levam esporro de cachorro. Mas mesmo se tartaruga não comesse merda, o que é atraente nela? O que te dá vontade de fazer carinho? Nada. Então por que comprar uma tartaruga de pelúcia?

Mas a insignificância dos jabutis nem importa tanto. A questão fundamental é que tartarugas, golfinhos e orcas de pelúcia são uma fraude. São uma falsidade ideológica. São aberrações entre os brinquedos. E é uma anomalia de caráter querer ter um deles.

E por falar em anomalia, já que estamos tratando de bichinhos de pelúcia, por que não analisar rapidamente o mais conhecido deles, que brilhou intensamente nos anos 80? Estou falando de Blau Blau, o ursinho que tinha que aturar o Sylvinho, do grupo Abysintho, dizendo que queria pegar uma menina mas não tinha coragem. Lembram disso? “Meu ursinho Blau Blau de brinquedo/diz pra ela esse nosso segredo/ela vai me fazer pirar/ai de mim, ai!/ai Blau Blau/ Blau Blau, ela não me quer…”. Muita gente boa dançou e cantou isso até crescer e ver como era ridículo. Aí virou piada.

Uma vez alguém me contou que estava na mesa tomando chopp com uma galera, que incluía amigos e desconhecidos, e o assunto era “coisas ridículas dos anos 80″. Depois de muito Bozo, Fofão etc, alguém lembrou do Blau Blau. Foi quando um dos integrantes da mesa se levantou puto dizendo que o tal Sylvinho era irmão dele. Pois é. Acho que o irmão do Sylvinho achava que o Blau Blau era uma coisa séria. E algumas assessorias de imprensa têm que fingir que também acham isso. Vejam aí embaixo um texto divulgado para os jornais cariocas em 2001:

ROCK IN RIO CAFÉ

Nesta terça-feira, dia 29 de maio, o Rock in Rio Café apresenta o show de Sylvinho Blau Blau e Os Pelúcias. Resgatando os velhos amigos do grupo Absyntho, Sylvinho volta as suas origens. A nova banda marca a boa fase que vem se concretizando graças ao reconhecimento da mídia no Rock in Rio III.

Como é que é? Reconhecimento da mídia no Rock in Rio 3? Pelo que lembro, os jornais não fizeram muito mais que mostrar uma foto de Sylvinho sendo agarrado por trás por um homem fantasiado de urso. Não lembro de exaltações ao som do rapaz. Se houve alguma agitação do público em torno da apresentação de Sylvinho num dos palcos alternativos do Rock in Rio foi apenas uma celebração do ridículo. Uma confissão bem-humorada da nossa ingenuidade no passado. Tenho a impressão que Sylvinho sabe disso. Não foi à toa que ele mudou o nome artístico para Sylvinho Blau Blau e batizou sua banda de apoio de Os Pelúcias. Depois de tentar carreira solo como cantor que faz a platéia feminina dar gritinhos, Sylvinho deve ter visto que era mais rentável pagar mico mesmo. Sem problemas, pois acredito que não há problemas em pagar mico se você sabe que está pagando mico. É engraçado. Louvável, até. Mas será que Blau Blau acha mesmo que teve o reconhecimento da mídia, como diz sua assessoria? Se pensa, lamento. Tá vendo o que um bicho de pelúcia pode fazer com sua vida?

 

Versão original publicada em junho de 2001, no site www.cocadaboa.com.

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