— Tolisses

Coisas do Ulisses Mattos

Barangas travestidas

As barangas conseguiram sobreviver até o século 21. Não pensem que isso foi fácil. Para chegar até aqui, as mulheres feias (ou qualquer expressão politicamente correta que o leitor preferir) tiveram que ralar muito para passar adiante seus genes. Precisaram se aproveitar de homens bêbados, seduzir rapazes virgens a perigo, exercer eventuais poderes político-financeiros ou até mesmo encontrar moços com elevação espiritual suficiente para ignorar o conceito de feiúra. Tudo isso valeu a pena, pois nossas amigas (só amigas mesmo, pois mais que isso queimaria o filme) conseguiram atingir este momento mágico da história humana: estamos em uma era em que as barangas, em vez de serem apedrejadas nas ruas – já que a valorização do físico nunca foi tão grande – , contam com várias ferramentas criadas para que possam se misturar a princesas, musas, beldades, gostosonas ou bonitinhas.

A primeira técnica usada para a baranga evitar a rejeição da sociedade é a cirurgia plástica. Antes um recurso para coroas ricas, hoje em dia as plásticas estão cada vez mais populares e acessíveis. Baratearam mesmo. Vai ver a Estácio de Sá está formando várias fornadas de cirurgiões plásticos, garantindo estágio em clínicas na Barra da Tijuca, repletas de emergentes prontas para retocar as barbeiragens estéticas de Deus. Mais do que os tradicionais ajustes no nariz, orelha e beiço, a indústria da plástica criou mais ofertas para as barangas ou mulheres em geral precisando de reparos.

Temos agora a lipoaspiração, a lipoescultura e, para quem esquece um rostinho esquisito ao ver um par de peitões, as próteses de silicone. Aliás, as tais próteses não vão só pros seios. Dão jeito em cinturas, coxas e pernas também. Conclusão: uma baranga pode contrariar toda sua carga genética passando numa oficina e mexer em toda a lanternagem. Um plastic, uma solda ali, uma pintura acolá e está pronta para passear pelas ruas com uma tolerável aparência de mulher comível.

Mais tem uma maneira muito mais fácil e barata de enganar os olhos dos pobres consumidores masculinos. A baranga pode simplesmente virar clubber, dark, gótica, moderninha ou até emo. É moleza. Todas aquelas roupas esquisitas de brechó, aquela maquiagem pesada ou aquele cabelo colorido na maioria das vezes esconde uma baranga. Mas o cara nunca percebe isso. Ele olha pra aquela figura, estuda o caso, pensa rapidamente na possibilidade de se tratar de uma mulher feia, mas acaba chegando à conclusão de que aquilo que ele está achando estranho é puro estilo. Chega até a pintar um tesão (“Uhnnn… Comer essa maluca deve ser legal…”). E lá se foi mais um homem enganado pela feiúra que “a pintura escondia”, como diria Paulo Ricardo em tempos de RPM.

Camaradas, não se enganem. Aquela clubber com piercing no canto da sobrancelha e camisa colada no sovaco é realmente feia. Aquela “moderninha” de cabelo mais curto que soldado e roupas de brechó é, sim, escrotinha. Aquela dark de batom preto e sobrancelha rala é baranga mesmo. Você pode até topar um sexo livre, mas tenha consciência do que está enfrentando. Não que você não deva ir fundo caso role uma condição, afinal, você tem como motivo (ou desculpa) o fato de a menina ter estilo ou atitude. Tudo bem. Mas não se engane achando que foi o penteado, a roupa e a falta de sol que a deixaram diferente das mulheres das propagandas de TV ou das figurantes da Praça é Nossa. Claro que umas 30% das clubbers ou “mudernas” são gatinhas e se garantem para andar à paisana. Mas as 70% restantes são uma fraude e realmente não passariam pelo seu crivo sem todos aqueles artefatos.

Diante da possibilidade de se atracar com um desses espécimes, o cara tem que avaliar se quer mesmo encarar um baranga travestida que depois pode ficar enchendo o saco com papo-cabeça, música ruim e draminhas psicológicos ou se não vale mais a pena passar numa casa de forró legítimo (não vale forró universitário) e cair na farra com uma Raimunda assumida e autêntica, que vai estar satisfeita só por ter passado aquela noite se divertindo com um sujeito diferente dos caras com quem ela já esteve andando. Questão de escolha. E de coragem, é claro.

 

Versão original publicada em abril de 2001, em www.cocadaboa.com.

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